O que é caridade?

Sermão pelo Rev.Peter M.Buss

 

O Meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como Eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos" (João 15:12-14).
Há duas palavras nos Escritos que têm sentido quase idêntico: amor e caridade. Quando falamos em caridade, pensamos no amor para com o ser humano em geral; e quando dizemos que amamos alguém, referimo-nos a uma disposição de ter caridade para com essa pessoa em particular. Em essência, os termos "amor" e "caridade" significam a mesma coisa.
Mas esses dois termos têm sido usados universalmente e universalmente confundidos. A palavra "amor" tem sido usada para cobrir uma quantidade enorme de pecados, desculpar a imoralidade, fechar os olhos para a responsabilidade que a pessoa deve ter, expulsa a verdadeira razão, em vez de iluminá-la; é o escudo dos hipócritas. Para a grande maioria das pessoas, amor nada mais é do que cobiça - exatamente aquilo que é, espiritualmente, o oposto do verdadeiro amor.
A palavra "caridade" é menos usada, ainda que tenha servido de desculpa para se explorar a boa vontade dos bons. Mas ninguém compreende o que a caridade é. Por exemplo, o evangelho social é a doutrina da caridade na Igreja Católica e em algumas seitas protestantes. Segundo essa doutrina, a Igreja existe para corrigir a injustiça social no mundo e estabelecer o céu aqui mesmo, na terra. Por isso, eles fazem a caridade ser apenas obras sociais e outras atividades civis e políticas, pensando que essas obras salvarão as pessoas.
Para essa doutrina, é coisa completamente estranha a primeira lei da caridade: evitar os males como pecados. Eles não reconhecem que a infelicidade, a miséria, a criminalidade e a delinqüência vêm do coração; acham que essas coisas vêm do meio ambiente inadequado. Mas o pecado só existe porque se ama o pecado e não pelo fato de se ter baixos salários e pouca educação.
Por isso, não é de admirar que os Escritos digam que a doutrina do amor ou da caridade foi "inteiramente perdida" (AC 3419, 2417). A doutrina - a verdadeira descrição do que a caridade é - não existe mais no mundo, a não ser nos Escritos. E, todavia, é a primeira, a principal doutrina da verdadeira religião e do céu (AC 2231).
A doutrina da caridade se perdeu na Igreja cristã, mas vive no espírito de muitos indivíduos, baseados que estão na Palavra do Antigo e do Novo Testamentos, porque o Senhor preserva o bem onde quer que esse bem esteja. Por exemplo, nas homenagens aos que morreram na guerra, costumamos encontrar uma inscrição semelhante ao do nosso texto: "Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos". Aí vemos a evidência de que a humanidade instintivamente honra a pessoa altruísta, a que quer sacrificar seus próprios desejos, suas esperanças e aspirações pessoais de felicidade neste mundo, tudo em benefício de seus semelhantes.
Foi um amor assim que o Senhor escolheu como imagem de Seu Divino Amor pela raça humana e do amor que devemos sentir pelos nossos semelhantes. Ele não diz que todos os que morrem por seus amigos estão na caridade; tampouco diz que a pessoa precisa morrer para estar na caridade. Esse sacrifício é visto como uma imagem do que a caridade deve ser. No sentido interno, a doutrina da caridade nos revela que vida é essa que devemos entregar, quem são os nossos amigos, e podemos ver como o espírito de caridade deve estar em nossas vidas para que amemos uns aos outros como o Senhor nos amou.
O que é a caridade? O que é o amor para com o próximo?  Embora a doutrina da caridade tenha sido plenamente revelada nos Escritos, se nos fizermos essas perguntas, veremos que nossas respostas ainda são vagas e incertas. Podemos citar algumas passagens dos Escritos que descrevem a caridade, mas, se nos pedem para explicar com nossas próprias palavras, queremos explicar a caridade em termos de atos externos, somente. É comum, na Nova Igreja, que as pessoas pensem na caridade de uma maneira superficial apenas, sem saberem realmente o que ela é.
Por exemplo, os Escritos dizem que a caridade é querer bem ao próximo de coração e sentir alegria na felicidade dele, e também que a caridade é a afeição de ser útil sem se esperar recompensa. Mas, se examinarmos essa definição apenas superficial, podemos ser complacentes. Afinal, todos nós não queremos que os outros sejam felizes? Não sentimos alegria quando sabemos que eles são felizes, ou não nos sentimos tristes quando sabemos de seus infortúnios? Não sentimos prazer am ajudar os outros sem esperar retribuição? E, não obstante, nem por isso nós já somos membros do céu espiritual, uma vez que a caridade é o amor predominante daquele céu.
A doutrina da caridade foi revelada, é verdadeira, mas espera que seja compreendida por cada membro da Nova Igreja. Se apenas sabemos que ela existe sem entendê-la, ela permanecerá tão perdida para nós como é para a Igreja Cristã. Se, porém, a compreendermos, somos capazes de agir como se por nós mesmos - com nosso próprio entendimento; e se o fazemos, então seremos pessoas livres na verdadeira religião Cristã.
Consideremos algumas das descrições que os Escritos dão sobre a caridade. "A vida da caridade consiste em pensar bem a respeito de outrem, em querer-lhe bem e em sentir alegria pelo fato de os outros também serem salvos" (AC 2884). "Quem está na caridade para com o próximo por uma afeição interna está na caridade para com o próximo em todas as coisas que pensa, fala e quer e faz..." (AC 8124). "Caridade mesma é agir justa e fielmente no ofício, nos negócios e na ocupação que se tem a exercer e com aqueles com quem se tem qualquer relacionamento" (VRC 422-424).
Em cada uma dessas descrições, a idéia central é que a caridade é a própria vontade, a própria vida do homem bom. Não é a preocupação externa com o bem-estar dos outros: isso é provido pela educação adequada. Caridade é um amor no qual está o seu ser e que alcança todos aqueles que necessitam de sua ajuda. Não é alguma coisa que fazemos nem a maneira como pensamos; é a vida, o viver mesmo da pessoa que segue ao Senhor. Por isso é que os Escritos também ensinam que caridade é uma afeição espiritual, e "em grande parte não pode ser exprimida por palavras, a não ser em suas coisas mais gerais" (AC 7131).
Se, contudo, a caridade é a vida mesma do céu e da verdadeira igreja, então a pessoa que tem caridade deve ser capaz de fazer coisas, aqui na terra, que outras pessoas não podem fazer. Esse amor deve fluir e se manifestar, de algum modo, nas atividades diárias da pessoa. Não para que a pessoa se distinga das outras, evidentemente, mas o amor que é a sua vida fará uma diferença nas coisas que ela faz. Se entendermos essa diferença, talvez possamos ter uma idéia mais concreta do que a caridade é.
Consideremos a pessoa cujo amor de sua vida é servir aos outros. Ela se preocupa com o bem de suas almas, com seu bem moral e com suas necessidades físicas. Suponhamos também que essa pessoa estude a Palavra e, por isso, conheça a natureza de Deus e do homem. A vida dessa pessoa é voltada para servir as necessidades do próximo. Seu amor, sua vida, fará com que esteja ciente das necessidades de seus amigos. Terá sempre noção das fraquezas e das forças de seus companheiros, sempre visando o melhoramento deles.
Ser sensível em relação àqueles que estão à nossa volta, ser compreensivo para com as necessidades naturais e espirituais de nossos semelhantes - este é o espírito da caridade. E a vida que se propõe a considerar essas necessidade é a vida de caridade. Todo o mal surge quando não se pára para pensar como os outros poderão ser afetados por aquilo que se faz. Nesse caso, não pensamos no que os outros sentem, porque estamos imersos em nossos próprios interesses. Nossas mentes se fecham para as mentes à nossa volta, a não ser quando elas podem nos servir. O mal e a insensibilidade andam ombro a ombro. A crueldade existe quando não se sente nenhum pesar pela dor dos outros; e se persistimos, chegamos mesmo a deixar de ver que os outros estão sofrendo.
A mesma coisa acontece com os pecados menores, os mais comuns. O mal da maledicência existe porque não pensamos no dano que estamos fazendo a alguém de falamos mal, e não pensamos porque não nos preocupamos com o sentimento daqueles a quem estamos ferindo. As crianças desenvolvem muitos maus hábitos porque os pais não se preocupam em corrigir-lhes, sabendo que eles são inclinados a tais males. Os pais ficam tão envolvidos consigo mesmos que, quando percebem o mal, é tarde demais. Os exemplos são inúmeros. Todo mal traz consigo a insensibilidade para com os sentimentos e as necessidades dos outros à nossa volta. Se estivermos muito ocupados conosco e com nossas próprias necessidades, não podemos pensar nos amigos.
Por isso, quando a caridade realmente desce no nosso viver, ela toma a forma de uma consciência sensível a respeito do estado de nossos amigos e irmãos, uma consciência que nos torna capazes de ser realmente úteis. É por esta razão que o Senhor nos pede para darmos nossas vidas por nossos amigos; não nossa vida física, mas a vida de egoísmo; a vida que só pensa em si mesma. Precisamos desistir de uma tal vida. Somente quando removermos de nós os amores egoísticos que reclamam para si toda a nossa atenção é que poderemos receber d`Ele um amor que desce em nossa consciência e nos faz cientes de nossas responsabilidades espirituais.
Quando nos desviamos da vida egoística antiga, nascemos de novo, nascemos numa forma de caridade, e então, pela primeira vez, começamos a viver. Pois como podemos dizer que a pessoa vive se ela é insensível em sua mente, se não percebe as vidas que há em torno dela? Uma pessoa assim é espiritualmente morta; é viva somente para o mundo de sua mente e para nenhum outro.
Mas quem está na caridade realmente vive. Pois sua mente se estende e considera com amor e cuidado todos os membros do reino do Senhor. E como os considera, também os serve.
"Vós sereis Meus amigos se fizerdes o que Eu vos mando", "e este é o Meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, assim como Eu vos amei". O homem que põe de lado sua própria vida para que possa estar consciente das necessidades dos outros, torna-se, enfim, uma forma de caridade, ou a caridade em forma humana, "porque a justiça e a fidelidade formam sua mente, e a prática destas forma o seu corpo" (VRC 423). E o Senhor o chamará amigo, porque sua vida será uma com a do Senhor no amor comum e no cuidado por todo ser humano. Isto é caridade. E isto é a vida eterna. Amém.

Lições: João 15:1-15. Doutrina da Caridade 158.

Doutrina da Caridade 158.
TODO HOMEM QUE VISA O SENHOR E EVITA OS MALES COMO PECADOS SE TORNA UMA FORMA DA CARIDADE, CONTANTO QUE HONESTA, JUSTA E FIELMENTE EXERÇA O OFÍCIO DE SUA OCUPAÇÃO OU EMPREGO.
Isto segue como conseqüência da lei precedente, que o homem nasce para se tornar caridade, e ele não pode se tornar caridade a não ser que constantemente faça o bem do uso por afeição e deleite. Quando, por isso, um homem exerce honesta, justa e fielmente o ofício de sua ocupação ou emprego pela afeição e por seu deleite, ele está continuamente no bem do uso, não somente para com a comunidade ou o país, mas também... para com os indivíduos particularmente. Mas ele não pode fazer isso a não ser que vise o Senhor e evite os males como pecados; porque, como se mostrou antes, a primeira coisa da caridade é visar o Senhor e afastar os males como pecados, e a segunda da caridade é fazer os bens. Além disso, os bens que ele faz são os bens do uso que ele faz cada dia; e quando não os faz, tem a intenção de fazê-los. ... É em decorrência disso que, todo o tempo, da manhã à noite, de ano a ano, desde o começo até o fim de sua vida, ele está no bem do uso. E não pode deixar de se tornar uma forma da caridade, isto é, um receptáculo dela.